O som característico das cigarras, que ecoa pelo Cerrado com intensidade, costuma ser associado ao início do período chuvoso. A crença popular sugere que o canto do inseto anuncia a chegada das chuvas, mas o professor de Ciências Biológicas do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Fabrício Escarlate, desmistifica essa ideia ao explicar que o canto das cigarras está mais relacionado às mudanças ambientais e hormonais que ocorrem no organismo do inseto do que à chuva propriamente dita.
Segundo Escarlate, o canto das cigarras reflete a transição para a fase adulta desses insetos, que ocorre como uma resposta fisiológica às mudanças climáticas, e não à precipitação em si. “Quando o ambiente sinaliza a chegada das chuvas, o sistema nervoso das cigarras interpreta essa mudança e estimula a transição para a fase adulta. Isso por meio dos hormônios da muda e o juvenil, que regulam a transição entre a forma juvenil e a fase adulta das cigarras”, explica o professor. Além disso, o especialista destaca que essa transformação está intimamente ligada à maturidade do inseto, ou seja, “as cigarras não estão percebendo a chuva, mas sim respondendo às mudanças ambientais”.
O ciclo de vida das cigarras também está alinhado ao período chuvoso devido à disponibilidade de recursos naturais, como alimentos e condições favoráveis à reprodução. A sazonalidade do Cerrado brasileiro, marcada por longos períodos de seca seguidos pelas chuvas, oferece um ambiente propício para a reprodução desses insetos. Fabrício Escarlate destaca que, em diferentes biomas e regiões, essa relação pode variar, conforme as características ambientais de cada local. “Essa relação entre cigarras e chuva pode variar em diferentes regiões e biomas, dependendo das condições ambientais específicas”, pontua o biólogo.
Outro aspecto fascinante revelado por Escarlate é o papel do canto na reprodução das cigarras. Apenas os machos emitem os sons característicos, graças a 11 órgãos cimbálicos localizados no abdômen, que produzem ruídos de alta intensidade – chegando a 120 decibéis – com o objetivo de atrair as fêmeas. O canto, portanto, é parte essencial da fase reprodutiva dessa espécie. “Da próxima vez em que ouvir o canto das cigarras, lembre-se que é mais do que uma simples melodia. É a história da adaptação desses insetos à sua busca pela sobrevivência na natureza”, conclui o especialista.
O fenômeno, portanto, vai além de uma previsão meteorológica; é uma expressão da vida e da continuidade da espécie, profundamente conectada ao ciclo natural do Cerrado e de outros ecossistemas onde as cigarras se fazem presentes.
