Juliana Curi
A saída temporária dessa quinta-feira (01/02) não durou nem seis horas para dois detentos contemplados com o benefício. Isso porque a dupla tocou o terror em Vicente Pires, cometendo crimes em sequência.
Eles foram liberados com os outros mais de 1.800 custodiados por volta das dez horas da manhã, na rodoviária do Plano Piloto. No período da tarde, mais ou menos às 16h, a dupla assaltou um carro na rua 7, em Vicente Pires. Armados, os bandidos abordaram a motorista, que estava esperando o marido, e sem perceber que havia duas crianças no banco de trás – uma deles um bebê de colo, agiram com muita violência. Preocupado com os filhos, o marido da vítima reagiu e chegou a ser atingido por um tiro, mas não se feriu gravemente.
De posse do carro roubado, deixando pra trás a família que estava no veículo, os criminosos ficaram tensos ao perceber a presença de uma viatura nas proximidades, e passaram a andar em alta velocidade, atropelando um pedestre e batendo em um caminhão, que derramou óleo pela pista.
As cenas eram dignas de um filme de ação, e infelizmente não pararam por aí. A polícia passou a perseguir o carro onde estava a dupla. Os bandidos então abandonaram o veículo e saíram correndo, pularam um muro e acabaram invadindo uma casa de um condomínio fechado da região. Lá dentro, renderam moradores e os fizeram reféns, que ficaram cerca de vinte minutos na mira de uma arma.
“Foi uma infeliz coincidência, minha esposa abriu a porta e foi quando eles já apareceram e invadiram, renderam todo mundo de casa, a secretária. Eles entraram pela marmoraria atrás da rua, pularam o muro, entraram no condomínio, e aí desceram bem na frente de casa”, conta Pablo Miranda, dono da residência, que não estava no local no momento.
“O jardineiro também estava lá, o portão estava aberto. Eles renderam todo mundo, tentaram assaltar o carro do jardineiro. O carro não pegava, tentaram empurrar, todo mundo já estava em pânico. Aí decidiram [os criminosos] entrar na minha casa, e se mostraram bem nervosos. Apontaram a arma para a minha esposa, ameaçaram, e pediram pra ela entregar o nosso carro. Ela até tentou acalmar os dois, eles diziam que não queriam voltar pra cadeia, porque tinham acabado de sair. A sorte foi que ela foi muito calma, não reagiu, e meus filhos não foram vistos pelos assaltantes e conseguiram chamar a polícia, que cercou toda a região”, relatou o morador.
A dupla fugiu da casa levando o carro da família, mas como todas as pistas já estavam cercadas, os criminosos acabaram presos e devem perder a progressão de pena.
Senado vai analisar fim do benefício
Durante os feriados, muitos detentos em regime semiaberto de todo o Brasil recebem o benefício da saída temporária, um direito legal que visa a ressocialização. No entanto, a prática tem sido questionada devido a casos de evasão e novos crimes cometidos durante esses períodos – vide o exemplo de Vicente Pires, no DF.
Após o Natal de 2023, o estado de São Paulo anunciou a recaptura de 398 detentos por novas infrações. Em outro incidente, um custodiado do saidão admitiu ter assassinado uma mulher em Campinas, no interior do estado.
A polêmica em torno das saídas temporárias levou à aprovação pela Câmara dos Deputados, em agosto de 2022, do Projeto de Lei 2.253/2022, que agora está sob análise na Comissão de Segurança Pública do Senado. Apesar do forte apelo de um grande grupo de parlamentares ao projeto, que visa abolir as saídas temporárias, ainda não há consenso. O Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça solicitou mais tempo para analisar a proposta e desenvolver uma nota técnica.
Durante uma reunião em dezembro, um representante do Ministério da Justiça esteve na Comissão de Segurança do Senado em audiência, e enfatizou a importância de um “debate inclusivo”, envolvendo todos os órgãos relacionados à execução penal. O presidente do colegiado, senador Sérgio Petecão (PSD-AC), expressou sua disposição em discutir a proposta de maneira mais aprofundada para alcançar um consenso.
As opiniões sobre o projeto são divididas. Enquanto alguns argumentam que a superlotação carcerária e a falta de estrutura dificultam a ressocialização e aumentam os riscos à segurança pública, outros defendem as saídas temporárias como um meio essencial para a reintegração social dos detentos.
O Projeto de Lei 2.253/2022, se aprovado, vai alterar a Lei de Execução Penal, aumentando o uso de tornozeleiras eletrônicas e eliminando a saída temporária.
